Thayla B. Bertolozzi
2 min readSep 23, 2020

Bolsonaro não errou. Ele falseou - o que é ainda pior.

Manchetes como "Veja em que pontos Bolsonaro errou e acertou durante o discurso na ONU" não faltam. Nas redes, o "erro" também é atribuído a Bolsonaro como parte das sistemáticas tentativas de identificar o que era "fato" e o que era "fake" em suas falas, sobretudo ao argumentar, em seu último discurso na Organização das Nações Unidas, que caboclos e indígenas poderiam ser os responsáveis pelos recentes incêndios florestais.

Contudo, fake news e desinformação não são termos que apenas se referem às informações erradas. Bolsonaro não errou. "Errar", para o dicionário Michaelis da Língua Portuguesa, é "cometer erro ou engano; enganar-se". Bolsonaro não se enganou, não cometeu um engano: tudo de falso que existe em sua fala foi premeditado, pensado e articulado para desinformar. Fake news referem-se a notícias intencionalmente falsas, para além daquelas que cometem algum engano pontual em suas análises de dados ou reportagens.

Entretanto, alegar que Bolsonaro não tenha errado não diminui a gravidade de seus dados incorretos. Isto porque o intuito de tal alegação é apenas questionar o que é um erro, e o que é uma fraude. Ao fazer tais acusações, Bolsonaro intencionalmente deturpou e distorceu a realidade, criou dados inexistentes e falsificou aqueles que existiam para um determinado fim.

Mas nem só de definição pronta de dicionários se faz um discurso. Em um sentido mais restrito e lógico, Bolsonaro errou. Aqui, por "errar", entende-se que há um certo e um errado, um binarismo que, embora muito criticado atualmente, nos remete à dimensão de que, independente da narrativa e de seu viés, há informações corretas e informações erradas, intencionais ou não. Errou, também, em um sentido ético, ao fraudar - ação que contraria padrões mínimos de conduta do comportamento humano.

Não se pode, portanto, ignorar que, ainda que incorretas, tais atitudes não se resumem a apenas uma definição de erro enquanto sinônimo de engano ou ato falho esporádico. Bolsonaro tem alimentado narrativas do gênero há muito tempo. Tempo considerável, e com tamanha persistência, para estabelecer que suas notícias e dados inventados não são meros erros: são intencionalmente falsos - o que também é um erro, em um sentido ético, mas não como um equívoco ou deslize que ocorre sem perceber. Afinal, errar é humano. Persistir em narrativas projetadas para serem falsas, porém, é mau-caratismo. É desumano.

Thayla Bicalho Bertolozzi (USP e Afro/CEBRAP).

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